Enio Fonseca e Fernando Luiz Zancan
Durante a crise do COVID-19, vimos as cadeias de suprimentos de produtos serem fragilizadas, causando aumento de custos e trazendo a insegurança na Sociedade. Mais recentemente, durante a Guerra da Ucrânia, assistimos a Europa ficar de joelhos em busca de energia para passar o inverno e movimentar sua atividade econômica. Também em consequência desse conflito, o Brasil ficou apreensivo com a falta de fertilizantes nitrogenados, o aumento no seu preço e o efeito na insegurança alimentar e energética.
Depois desses eventos, a palavra segurança ficou no radar de todos nós, retirados da zona de conforto. Nesse momento estamos passando por mais uma crise hídrica no Brasil, que já afeta o abastecimento de água, a navegação e a produção agropecuária, baixando o estoque de energia hidráulica em nossos reservatórios e trazendo insegurança hídrica e energética. Ou seja, estamos falando de segurança alimentar, energética, hídrica e climática, quatro fatores que afetam a todos os que vivem nesse planeta.
Nesses tempos difíceis, a estratégia de não colocar todos os ovos em uma única cesta deve ser uma máxima. A busca da diversidade precisa ser o foco principal. Na questão alimentar devemos aumentar a produção de fertilizantes. Para isso é necessário concluir no Congresso a aprovação do programa incentivos à produção desses insumos (PROFET), viabilizar a Politica Nacional de Fertilizantes e criar um programa de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Em relação à questão energética, onde atingimos quase 90 % de energia a carbono zero (renováveis e nuclear), precisamos dar prioridade para uma reserva de energia segura, um backup que nos proteja da falta de chuvas, da ausência de ventos ou dos dias sem sol. No campo renovável, o Brasil já é um exemplo para o mundo, sendo cerca de três vezes mais limpo que a comunidade europeia, principal indutor das políticas climáticas. Precisamos agora olhar para a manutenção de um parque térmico, despachável 24 horas por dia e 7 dias por semana.
Com as mudanças climáticas cada vez maiores e mais frequentes, estamos vivendo aquilo que o historiador britânico, Eric Hobsbawn, definiu como a “era dos extremos”. Hobsbawn se referia à disputa ideológica, que também parece ter invadido a discussão ambiental, mas fiquemos na área climática. Cada vez mais é comum períodos intensos de seca e de inundação. De forma geral, ano após ano, o planeta está aquecendo. Com mais calor e evaporação das águas, teremos maior formação de nuvens, diminuindo a eficiência da geração solar, mudando o padrão de ventos e a quantidade de combustível para as usinas hidráulicas. Por isso a geração de energia firme e despachável será necessária como garantia para a segurança a energética de todos nós.
A importância dessa reserva ficou bem evidente em episódios recentes. Em 2021, foi preciso despachar todas as térmicas – desde as de menor custo, como as de carvão mineral até aquelas de alto custo, que são a óleo combustível – para garantir a segurança do sistema. Neste ano, em plena região Nordeste, terra das renováveis (eólica e solar), o Operador Nacional do Sistema Eletrico (ONS) já despachou a Usina térmica a carvão de Pecém, no Ceará. Na região Sul, as térmicas de carvão mais baratas já estão despachadas.
A ONS ainda pediu que todas as térmicas ficassem aptas a despachar, pois estamos em uma das maiores secas de 44 anos. Nessa semana, a Aneel já avisou que haverá despacho das térmicas. Aliás esse sistema de informação da ANEEL deveria ser revisto, pois passa uma falsa ideia para a Sociedade de que as térmicas são caras. E isso não é verdade. Quem tem aumentado o custo ao consumidor são as fontes renováveis variáveis subsidiadas via Conta de Desenvolvimento Energético que são pagos pelo consumidor (7.54 % da conta hoje).
Na segurança hídrica, como teremos eventos extremos mais frequentes, será necessário ampliar a capacidade de reservar água. Isso garantirá o abastecimento humano e animal, a produção de energia hidrelétrica e a irrigação fundamental para o agronegócio. Infelizmente, vemos “especialistas de clima” falar que, em 2040, seremos 100 % renováveis na geração energia elétrica, enquanto algumas ONGs insistem em apresentar planos climáticos no mesmo sentido. Onde esse pessoal vive? Nem na Europa, indutora das políticas climáticas, isso é consenso.
A verdade é que o Brasil é privilegiado por ter todas as matrizes energéticas disponíveis, mas, ao mesmo tempo, não está em condições de desperdiçar nenhuma delas. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil precisará, até 2050, multiplicar por 3,3 o consumo energia elétrica para chegar a patamares de pais desenvolvidos. Precisamos estruturar um Programa de Manejo de Carbono (Carbon Management Energy Shot), usando todas as tecnologias disponíveis. Estamos falando de captura e armazenamento de carbono (CCUS), de remoção do CO2 do ar, captura direta de CO2 do ar (DAC), uso de biomassa com CCUS ( BECCS) e também consórcio Fóssil x Biomassa ( FBECCS). Grandes potências, como os Estados Unidos e a China, estão investindo pesado nesses projetos. Precisamos de pragmatismo e seriedade intelectual nessas discussões. A solução para a segurança alimentar, energética, climática não é acabar com os fósseis, mas sim com suas emissões e isso é uma transição ecológica e tecnológica que levará decadas. E o Brasil, em nome da palavra segurança energética, precisa da diversidade de todas fontes!
Enio Fonseca
CEO da Pack of Wolves Assessoria Socioambiental, foi Superintendente do Ibama, Conselheiro do Copam MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, foi Gestor de sustentabilidade da Associação Mineradores de Ferro do Brasil (AMF). Diretor de Responsabilidade Social e Ambiental da ALAGRO.Profissional Senior em Gestao Ambiental, membro do Conselho Editorial e colunista do Canal Synergia.
Fernando Luiz Zancan
Presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS)