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Altos preços cobrados por revistas acadêmicas estrangeiras restringem potencial da ciência brasileira

Um período no exterior ajudou o estudante de medicina da UFRGS João Ferrari-Souza, 23 anos, a publicar os achados de sua pesquisa de doutorado em duas das principais revistas científicas do mundo em sua área. O jovem pesquisador investiga como aspectos genéticos influenciam a progressão do mal de Alzheimer no cérebro humano e passou um ano e meio na Universidade de Pittsburgh, nos EUA, analisando dados clínicos de pacientes canadenses.

— Minha parte da pesquisa é usar neuroimagens, como exames de ressonância magnética e tomografia por emissão de pósitrons, para entender melhor a progressão da doença de Alzheimer e ajudar no diagnóstico precoce — explica Ferrari-Souza, que participa de um programa de estudos MD-PHD, o que permite a estudantes de Medicina cursar um doutorado ao mesmo tempo em que faz a graduação, de modo que a defesa da tese ocorre após a formatura médica.

Em agosto do ano passado, um de seus artigos saiu na Molecular Psychiatry, da editora Nature. Agora, foi aceito mais um para a revista Science Advances, da Science. Isso além de outras publicações em periódicos internacionais assinadas em conjunto com colegas que atuam no laboratório de neuroimagem Zimmer Lab, coordenado pelo professor da UFRGS Eduardo Zimmer e universidades estrangeiras.

Ambos os artigos de Ferrari-Souza foram publicados em acesso aberto, ou open access, modalidade que tem turbinado uma polêmica na comunidade científica global. Isso porque revistas internacionais, que têm alta relevância para o currículo de pesquisadores, cobram altos valores dos autores pela disponibilização do conteúdo. No caso do jovem pesquisador, seus artigos custaram quase US$ 5 mil cada, cerca de R$ 25 mil na cotação atual.

— Tive bastante sorte porque fui estudar em um laboratório que tem por política pagar o open access das publicações de todos os alunos. É um custo elevado que não teríamos como arcar aqui no Brasil — diz o estudante de medicina e doutorando em bioquímica, que retornou ao país em dezembro.

Tradicionalmente, cientistas e universidades pagam caro pela assinatura de várias revistas para se atualizarem das produções de pesquisadores. Só o governo federal, por exemplo, gastou R$ 496 milhões em 2022 com o portal de periódicos mantido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes), que disponibiliza a produção científica internacional a brasileiros. O valor anual equivaleria ao custeio de bolsas a 13,3 mil doutorandos, que desde março passaram a receber R$ 3,1 mil ao mês.

Entramos em um modelo em que cientistas financiados com dinheiro público continuam a fazer o mesmo serviço, mas para as editoras se apropriarem desse trabalho e lucrar em cima

OLAVO AMARAL

Professor do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Mas, desde os anos 2010, surgiu um movimento pelo acesso aberto à ciência, que transferiu a conta dos leitores para os autores. Ou seja: hoje, em parte dos casos, pesquisadores pagam para publicar seus estudos nas revistas. Apesar de existirem periódicos nacionais com bom impacto científico, geralmente as grandes revistas estrangeiras são as que rendem mais prestígio e pontos no currículo, o que cria um cenário desigual para a pesquisa brasileira.

US$ 10 mil por artigo

Pesquisadores que querem publicar fora do País, por isso, têm duas alternativas: ou fazem de graça em revistas fechadas, e cedem os direitos de sua produção às editoras, ou precisam arcar com altos valores para periódicos de acesso aberto.

A dificuldade é que, enquanto a publicação gratuita “privatiza” estudos muitas vezes feitos com investimento público, o “acesso aberto” cobra valores que são “extorsivos” para a maior parte dos pesquisadores de fora do eixo Europa-EUA.

Um dos agravantes do cenário é o fato de que apenas cinco grandes empresas controlam mais da metade do mercado editorial científico. Além disso, esse grupo também concentra prestígio: como essas revistas são mais exigentes e sinônimo de alto impacto, os valores cobrados para publicação também crescem.

— É preciso desenvolver um novo mecanismo que satisfaça as particularidades da ciência. Nem você pagar uma fortuna, às vezes até US$ 10 mil, para publicar um artigo open access, nem você não pagar nada, mas quem for ler seu artigo ter de pagar essa fortuna para poder ler. Isso é muito bom para as editoras, que lucram com o trabalho dos outros, mas é inadequado para a comunidade científica — critica o físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

O preço do open access dessas revistas científicas se dá com a justificativa de pagamentos de custos editoriais, que envolvem a edição do texto, sua disponibilização online e a revisão por pares, processo no qual artigos passam por uma avaliação de especialistas da área. Esse trabalho todo, no entanto, é feito de graça pelos pesquisadores. Não à toa, a margem de lucro da Elsevier, uma das maiores editoras científicas do planeta, é de cerca de 37%, por exemplo.

— Essas grandes editoras dominaram o mercado a partir da internet, já que fizeram uma transição rápida para o online e adquiriram as revistas sem fins lucrativos editadas por sociedades científicas e com revisores que trabalhavam de graça. Então entramos em um modelo em que cientistas financiados com dinheiro público continuam a fazer o mesmo serviço, mas para as editoras se apropriarem desse trabalho e lucrar em cima — explica o médico Olavo Amaral, professor do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Amaral explica que um dos motivos para brasileiros buscarem publicar nessas revistas estrangeiras em meio a tantas dificuldades é a exigência da própria Capes. Por aqui, periódicos científicos são classificados conforme a sua qualidade, de modo que publicações melhores, frequentemente estrangeiras, rendem mais pontuação em concursos públicos e editais.

Ainda assim, dados recentes apontam que a ciência brasileira segue em expansão. Números de 2020 do Scimago, ranking que mede o impacto de periódicos, apontaram que o Brasil ocupou o 13º lugar no mundo no ranking global de produção científica da plataforma, número  9,34% maior em comparação ao ano anterior.

Pesquisa brasileira é valorizada lá fora

Nós fazemos pesquisas de primeiro nível, mas é muito caro e difícil publicar nas principais revistas, o que nos prejudica

PAULO ARTAXO

PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP) E VICE-PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA (SBPC)

Na astronomia, por exemplo, todos os periódicos de alto impacto mais bem avaliados serão de acesso aberto. No início do mês, a Sociedade Real Astronômica do Reino Unido, que publicava a última das grandes revistas da área que ainda aceitava artigos sem cobranças, anunciou que passará a cobrar taxas de publicação dos autores. A cobrança ocorre a partir de dezembro de 2023.

Segundo o cirurgião dentista José Antonio Poli, professor e pró-reitor de Pesquisa da UFRGS, nem todas as áreas de estudo foram afetadas pelo avanço da modalidade. O pesquisador, que é editor na revista de maior impacto global em Endodontia, o International Endodontic Journal, conta que, desde 1999, a produção brasileira oscilou entre 13 e 21% das publicações na revista, atrás apenas dos EUA.

— Nossos pesquisadores são disputados lá fora e isso é um ativo que perdemos. Eles são bem-formados aqui e encontram oportunidades melhores no exterior porque as bolsas tiveram valores congelados no nosso país por muitos anos e isso foi um desestímulo — diz Poli.

Hoje, na UFRGS não existe uma política institucional de apoio à publicação em revistas internacionais. Segundo Artaxo, a única agência de fomento brasileira que dá auxílio-publicação em periódicos estrangeiros é a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp).

— É um grande obstáculo para que pesquisas feitas em países em desenvolvimento, como o Brasil, tenham uma maior visibilidade global. Nós fazemos pesquisas de primeiro nível, mas é muito caro e difícil publicar nas principais revistas, o que nos prejudica — lamenta Artaxo, em relação aos custos considerados exorbitantes cobrados por revistas estrangeiras.

A biomédica e neurocientista Mellanie Fontes-Dutra afirma que já precisou procurar revistas consideradas de impacto menor para publicar seus trabalhos em decorrência das altas taxas cobradas. A preocupação entre cientistas é que, de alguns tempos para cá, muitas revistas estrangeiras estão se tornando open access.

— Para nós é uma realidade dura, porque fica muito caro a ponto de não ser incomum que, ao submeter um projeto de pesquisa com orçamento, parte dele seja destinado a cobrir a publicação. É uma quantidade de dinheiro grande para um artigo, sendo que pesquisadores publicam mais de um trabalho ao longo do ano e sempre procuramos revistas que não cobrem taxa — diz Mellanie, que também é professora na Unisinos.

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