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A Amazon e o declínio do mercado editorial brasileiro

Desde o seu surgimento em 1994, a Amazon de Jeff Bezos marca presença diária na vida moderna. Milhões de pessoas passaram a acessar o site em seus navegadores em função do maior impulso de qualquer sociedade capitalista: a atividade de consumo. O consumidor pode encontrar praticamente de tudo na Amazon: livros, filmes, ferramentas, móveis, dispositivos, jogos, bebidas, e até mesmo casinhas com janelas para cachorros e xícaras em formato de vaso sanitário.

Se a Amazon começou como uma livraria virtual e com o tempo se expandiu para uma loja de departamentos, o crescimento não parou por aí: em 2005, criou a Amazon Prime, que, com o passar dos anos, vem se tornando também um streaming de vídeos, música, fotos e livros.

As estratégias de expansão foram agressivas — como o uso da prática de dumping — e deram resultado. Em 2018, a Amazon chegou a ser a segunda empresa do mundo a atingir a marca de us$ 1 trilhão de valor de mercado. No ano seguinte, tornou-se a empresa mais valiosa do mundo, ultrapassando a Microsoft. A prática de dumping é ilegal no Brasil e na maior parte dos países democráticos. Na França, em 2013, houve um marco nesta luta contra a expansão da Amazon, com a aprovação de leis para conter seu avanço.

Mas vamos ao que interessa — a história da Amazon no Brasil é o que queremos contar neste artigo: uma trajetória de crescimento às custas do mercado editorial brasileiro, que já vinha em declínio nas últimas décadas, numa crise que se intensificou a partir desde 2016.

Quando em 2012 a plataforma chega ao Brasil, com o domínio .com.br, trazia apenas a venda de livros físicos, do Kindle e dezenas de e-books (atualmente possui mais de 2 milhões de livros físicos e eletrônicos, incluso os títulos em língua estrangeira). A Amazon chegou dessa forma no Brasil porque não conseguiu vender “de tudo”, impedidos por pressão dos executivos das Lojas Americanas, Ponto Frio e outras, e encontrou a possibilidade de atuação apenas no mercado editorial. Por isso, chegaram ao Brasil com toda a força por meio dos livros. Só que o mercado editorial brasileiro vem há pelo menos meia década sofrendo com uma enorme e desvastadora crise.

A crise impactou editoras, como a Cosac Naify, que encerrou atividades em 2015, distribuidoras e mercado livreiro. Não apenas pequenas livrarias, mas também grandes redes. A Laselva foi a primeira rede a fechar todas as suas portas em 2013. A livraria, que tinha mais de 80 lojas pelo país, e era conhecida principalmente pela sua localização em aeroportos, entrou em recuperação judicial com dívidas de mais de r$ 120 milhões. Esse foi só um prenúncio do que viria, considerando que o problema da Laselva foi decorrente da crise internacional e do sistema de licitação da Infraero, por exemplo. Enquanto isso, as redes de livrarias Cultura e a Saraiva sobreviviam com empréstimos de bancos, especialmente do bndes.

Aí a crise se agrava: em 2016, as pequenas e médias editoras já sentem o impacto da falta de pagamentos das livrarias, sendo mais afetadas que outros setores pela crise econômica do país. E, no ano seguinte, a Livraria Cultura toma decisões drásticas: assume o controle da Fnac no Brasil, e, no ano seguinte, fecha todas as unidades da recém-adquirida rede, incluindo a loja virtual, para dias depois abrir o pedido de recuperação judicial. As dívidas da livraria são de pelo menos r$ 285 milhões.

É interessante observar que a compra da Fnac, que já queria sair do país, não foi bem uma aquisição, considerando que a família Hertz, dona da Livraria Cultura, aceitou assumir as operações da Fnac Brasil em troca de 36 milhões de euros, sendo este um bom negócio para Fnac, que provavelmente gastaria valor maior para sair do país. Um mês depois, a Livraria Saraiva, com dívidas de cerca de R$ 675 milhões também pediu recuperação judicial.

O ano de 2018 definitivamente marcou as editoras, e com pesar lembramos da fala de Luiz Schwarcz, proprietário da Companhia da Letras, no Blog da Companhia: “Passei por um dos piores momentos da minha vida pessoal e profissional quando, pela primeira vez em 32 anos, tive que demitir seis funcionários que faziam parte da Companhia há tempos e contribuíam com sua energia para o que construímos no nosso dia a dia”.

Ainda que a demissão de seis funcionários possa parecer pouco frente aos dados das livrarias, Schwarcz se referia à demissão de importantes editores, cuja saída causou forte impacto dentro da sua empresa. Se a Companhia das Letras, uma das maiores empresas do setor no Brasil, estava sofrendo com a crise, imagine as editoras pequenas e médias!

O problema que viria em cadeia é que, como as Livrarias Cultura e a Saraiva respondiam por mais de 35% das vendas do setor, a recuperação judicial dessas grandes redes gerou um calote imenso às editoras e distribuidoras. Isso aconteceu porque desde meados da década de 1980 as livrarias começaram a consignar os livros das editoras, ao invés de adquiri-los, o que fez com que as editoras só fossem pagas após as vendas aos clientes. Com a crise, esses valores não foram pagos. Instaurou-se o caos no setor e as editoras diminuíram a produção por falta de capital de giro e dívidas, levando importantes distribuidoras a fecharam suas portas.

Mas voltemos à questão da Amazon durante este período. Podemos afirmar que o desmantelamento das Livrarias Cultura e da Saraiva já teria uma relação direta com os valores praticados pela Amazon. Mas também foi motivado pela crise econômica brasileira, pelo preço dos livros, além da falta de hábito de leitura no Brasil.

Porém, nem tudo entra na conta da Amazon: não podemos deixar de perceber que, mesmo antes da Amazon chegar ao Brasil, essas mesmas livrarias já praticavam enormes descontos nas lojas online, afastando clientes das lojas físicas.

Porém, quando a Amazon chega, ocorre uma tentativa de conter seu crescimento sobre o mercado editorial: algumas livrarias ameaçaram não distribuir livros de editoras como fossem associadas à Amazon, com objetivo de frear o monopólio, e aplicavam essa mesma prática para impedir editores de terem seus próprios marketing places.

Algumas editoras, preocupadas com a constituição de um possível monopólio, criam uma campanha para aprovação de uma lei do preço fixo para livros, semelhante a que existe na França, impedindo o dumping através de descontos. A lei não foi sancionada.

Porém as tentativas foram em vão. A Amazon dispara em crescimento, principalmente após a falência judicial das maiores livrarias do país. Em 2017, já consegue vender “de tudo” e competir com os outros mercados, como o de eletrodomésticos, bebidas e tudo o que a plataforma poderia oferecer. Aí o império já está instaurado. E os recursos para vendas de livros são ostensivos.

Nesse ponto da história, a chegada da Amazon já tinha impactado tanto as livrarias como as editoras: As livrarias não foram capazes de frear o monopólio, as editoras não conseguiram ser pagas pelas livrarias e raramente teriam um valor de venda expressivo pela Amazon.

Em um caso marcante, a Livraria Elefante publicou em seu site oficial o artigo “Amazon destrói”, onde explica como funcionavam as engrenagens da Amazon: sem comprar diretamente da editora, obtinha os livros por distribuidores para vender mais barato do que a própria editora em relação direta com o cliente: “ela comercializa Calibã e a bruxa, de Silvia Federici, cujo preço de capa é R$ 60, por R$ 43,80 e Olhares negros, de bell hooks, que custa R$ 50, por R$ 36,50”.

Se, a princípio, descontos podem parecer benéficos para os leitores, em médio prazo eles causam a diminuição da bibliodiversidade ao dificultar a subsistência das editoras. O motivo para isso é que esses descontos ostensivos causam uma concorrência desleal com livrarias pequenas e médias (que acabam fechando as suas portas) e são nessas livrarias que normalmente as editoras pequenas e médias negociam para ter os seus livros expostos para os clientes. Por isso, várias campanhas pela bibliodiversidade foram criadas nos últimos anos, estimulando o consumo de livros em livrarias locais e de pequeno porte.

O Brasil, que é um país que ainda prefere o livro físico ao ebook, também tem um preço alto em relação a outros países, o que dificulta as vendas para a maioria dos consumidores. De qualquer forma, mesmo com o aumento de custos de livros, redes de livrarias como a Leitura, a Travessa, Livrarias Curitiba e a Blooks seguraram as pontas durante essa crise. Nos últimos 50 anos, o número de editoras no Brasil passou de 40 para mais de 800, e cerca de 50 mil títulos são publicados por ano. Além do crescente número de autopublicações.

A Amazon, assim que entendeu a cadeia produtiva do livro no Brasil — os conflitos entre autores, distribuidores, editores, gráficas e livrarias — criou sua fórmula de sucesso e corrompeu a cadeia que já não se sustentava.

Além disso, como a Amazon é digital, usou todo o poder da segmentação e ofereceu a usuários específicos a partir dos hábitos de compras ou livros relevantes para os leitores, entendendo um modo de comercialização a partir de nichos.

Como na teoria da “cauda longa”, de Chris Anderson, a Amazon entendeu que vender poucos exemplares de milhares de títulos disponíveis poderia ser um negócio mais rentável do que se concentrar em vender milhares de exemplares de poucos títulos. Infelizmente, esse cálculo não se aplica para as editoras, especialmente as pequenas e médias, que não possuem grande quantidade de acervo.

O que fica evidente é que toda a crise grita que a cadeia produtiva do livro no Brasil não funciona. O modo como os livros são produzidos e comercializados não é eficiente. E se esse modelo já estava insustentável, com o monopólio da Amazon, ficou ainda mais instável.

Ricardo Almeida, CEO da Bibliomundi ainda acrescenta:

É simplesmente impensável atuar no mercado de hoje com as mesmas fórmulas e métodos aplicáveis nas décadas passadas. Vivemos em um período de abundância de conteúdo e de demandas hiper-nichadas. O leitor de hoje consome uma literatura tão específica para o seu gosto que é impossível para uma livraria, por maior que seja, reunir um estoque grande o bastante para agradar a todos. Aliás, não se trata mais de agradar a todos, até porque massas homogêneas não existem mais. Trata-se de aprender a conseguir agradar cada pessoa individualmente.

A atuação da Amazon neste modelo nichado oferece um ou outro livro, de diversas editoras, a determinados públicos, e acaba por esconder títulos e amplos catálogos de diversas editoras, prejudicando e impactando atuação das editoras. Além do valor de repasse, que é baíxissmo, considerando tanto a porcentagem tomada pela empresa, quanto pela quantidade de vendas de livros no Brasil, que é inacreditavelmente pequena em relação a países muito menores como Portugal ou Argentina. Sem falar nas temáticas mais vendidas em nosso país e incentivadas pela Amazon, como livros de autoajuda ou de autores específicos, prática que novamente não contribui para a bibliodiversidade ou para o incentivo a criação de livros de determinados seguimentos pelas editoras.

As livrarias, diante do monopólio centralizado na Amazon, veem-se desafiadas diariamente por esse novo modelo imposto pela tecnologia, capaz de selecionar os públicos a partir de dados de interesse e aparente facilidade para os consumidores de livros. Um modelo que traz um enorme prejuízo a toda a cadeia produtiva do livro no Brasil e deixa de fomentar público leitor, com rodas de leitura, lançamentos, círculos literários e encontros, como costumava ocorrer em livrarias tradicionais.

Atualmente, com o Covid-19, o mercado editorial enfrenta o seu pior ano, com algumas livrarias enfrentando quedas superiores a 90% por conta do fechamento das livrarias e da recessão econômica. A crise se agravou, colocando novamente em dois lados algumas editoras e livrarias: o grupo Juntos pelo Livro, formado por 102 editoras grandes ou pequenas, publicou uma carta aberta em resposta a diversos distribuidores e livrarias, que solicitaram a suspensão de pagamentos, exigindo que pagassem o que receberam até março.

Enquanto livrarias e editoras se desmantelam, Jeff Bezos, proprietário da Amazon, continua aumentando os 90 bilhões de dólares de sua fortuna pessoal. Ao mesmo tempo, seu império é construído no Brasil com base na alavancagem da destruição do mercado editorial.

É evidente que as editoras e as livrarias estão passando por um momento de reinvenção e que precisam do apoio para se reestruturarem, além de novas estratégias de organização da cadeia produtiva e do entendimento dos nichos de interesses. Uma repactuação entre as partes é necessária para que os valores de produção e comercialização sejam equalizados para uma nova realidade, sem que o custo seja revertido ao cliente.

Pelas regras vigentes de mercado, cerca de 50% do preço de capa de um livro fica com a revendedora final, seja livraria física ou loja virtual. Os 50% restantes se dividem da seguinte forma: cerca de 15% de custos de impressão, 10% de direitos autorais, 10% de custos administrativos, logística e distribuição e 15% de retorno para as editoras. Destes 15%, a editora precisa tirar o custeio de equipe, sede e feitura dos livros, entre outros.

A alta porcentagem do revendedor final, muito maior do que o de outras áreas de mercado, impacta fortemente no preço de capa. A título de exemplo: se uma editora precisa de r$ 20,00 para pagar o investimento em um exemplar de um livro, será preciso colocar o preço de capa em cerca de r$ 40,00. Caso a porcentagem das livrarias fosse de 30%, por exemplo, o livro poderia ser vendido por menos de r$ 30,00. Além disso, as livrarias costumam consignar os livros das editoras, só as pagando cerca de 90 dias depois de efetivar qualquer venda.

Muitas reinvenções surgem, como os clubes de assinaturas, que vêm se fortalecendo cada vez mais, com foco na curadoria e na venda direta das editoras para seus clientes, por meio de lojas virtuais e com recorrência. Além das campanhas de crowdfunding para auxílio de livrarias que fecharam temporariamente as portas durante a pandemia.

Para piorar o cenário, há o risco eminente da perda de benefícios fiscais do livro na reforma fiscal proposta pelo ministro Paulo Guedes e atualmente em tramitação no Congresso. Num momento em que políticas públicas seriam necessárias para conter o desmonte do mercado editorial, o que está ocorrendo é a medida inversa, que pode ferir de morte editoras e livrarias.

A questão do livro no Brasil é urgente, desde o autor até a editora e as livrarias, o formato precisa ser ajustado entre os pares para não se render ao monopólio bilionário da Amazon, que cresce às custas do trabalho de profissionais sérios que estão pensando a cultura e a literatura brasileira.

Publicado no 1º número do volume 2 da Revista Rosa em 14/09/2020.

Revista Rosa, S. Paulo/SP, Brasil, https://revistarosa.comissn 2764-1333.

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