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Reserva de vagas para profissionais qualificadas: ainda é preciso? Por Daniela Garcia Giacobbo

Daniela Garcia Giacobbo

A Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel abriu Consulta Pública para regulamentar o Decreto 11.835/23, que altera, entre outras coisas, as atribuições e a composição do Conselho Administrativo e da Diretoria Administrativa da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, considerando as regras que estabelecem, às indicações, requisitos de qualificação ao cargo, definidos em convenção.

Pela proposta da Aneel, em nome da “igualdade de oportunidades no setor elétrico”[1], pelo menos duas das oito vagas seriam destinadas às mulheres no Conselho Administrativo e uma das seis da diretoria da CCEE, entidade criada para operar o mercado comercial[2]. Para o Conselho Administrativo, com a função de planejamento estratégico e de definir o orçamento anual, não seria necessária experiência ou atuação prévia na área de energia elétrica; no caso da diretoria, sim.

À Aneel compete “regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal”[3]. A agência reguladora não estabelece políticas de governo, as quais são fruto da legislação geral e setorial[4] e ações afirmativas a essas devem observar.

Nessa nova governança, não se cogita de indicações que não exijam certas habilidades e que não sejam técnicas, pois a CCEE é um órgão técnico, mas o que se questiona, aqui, é a reserva de vagas a profissionais qualificadas. Atualmente, ainda é necessário?

Pesquisa da Agência Internacional de Energia (Irena) apontou que, apesar de serem metade da população mundial (no Censo 2022, as mulheres são 51,5% da população brasileira), as mulheres representam um quarto da força de trabalho total de energia e um terço do setor de energias renováveis[5]. O aumento da participação de mulheres na força de trabalho se faz com políticas públicas de incentivo, que não se restringem à legislação sobre cotas, mas por programas de educação, treinamento, cursos e estágios, lembrando-se que a licença maternidade foi importante para a diversidade e inclusão. No mundo corporativo, iniciativas meritórias para diminuir a desigualdade de oportunidades, como a da AES Brasil e Senai RN[6], que qualificaram as primeiras mulheres especialistas em manutenção e operação de parques eólicos, são importantes à aptidão ao processo de seleção. Também a capacitação feita pelo Senai Bahia resultou em um parque eólico 100% operado por mulheres[7]. Valem palestras e mentorias para capacitar, assim como movimentos para incentivar e dar maior visibilidade ao potencial profissional feminino[8].

Embora ainda representemos a menor parte na alta gestão dos setores de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia [9] a qualificação feminina pode ser demonstrada pelo grande número de executivas que presidem algumas das principais entidades representativas do setor: ABRAGE, ABRAPCH, ABEEólica, ABiogás, ABIHAV, Sindienergia RS, além das que estão à frente de instituições de ensino, diretorias, comissões e de outras entidades civis. É inegável a importância dessas líderes, com trajetórias de reconhecida competência e eleitas pelos seus pares, quando se trata de influenciar o planejamento e o funcionamento do setor (inclusive ao proporem políticas públicas e setoriais sobre regras de acesso, que podem estimular a iniciativa privada em suas decisões), servindo de modelo a encorajar outras mulheres.

Mas a fixação de cotas parece ser um recurso ainda usado para minimizar a desigualdade na competição.

Subsídios também o são. No Setor Elétrico Brasileiro, incentivos e tratamentos diferenciados, com alocação de recursos em fontes novas e segmentos em formação, há muito são praticados e podem não funcionar a longo prazo. Como o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – Proinfa, criado para a expansão emergencial da oferta[10] (que também criou a CDE, hoje vigente a Lei 14.120/21[11]), as regras de isenção e de desconto nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição, então estipuladas por resoluções da Aneel, que alavancaram a fonte que hoje mais cresce (hoje vigente a Lei 14.300/22[12]), e as de acesso facilitado ao mercado livre ainda agitam o setor. A realocação de subsídios para novas fontes e tecnologias tem sido proposta como forma de atração de investimentos a destravar mercados entrantes para o sucesso de uma economia de baixo carbono. Nessa realocação e nos tratamentos diferenciados, há que considerar os custos. As políticas de subsídios, isenções e tratamentos tributários diferenciados alteram os preços relativos da economia e, no caso do setor elétrico, acabam por onerar o consumidor cativo, na sua conta de luz, como no caso da CDE.

Pesquisa do Instituto Millenium e Enterprise Surveys[13] mostrou as consequências na economia das políticas públicas de subsídios, isenções e desonerações, ou seja, de tratamentos diferenciados, concluindo que micropolíticas mudam artificialmente as regras do mercado, pois direcionam recursos para setores e empresas contemplados pelos subsídios, em detrimento dos não contemplados, “viciando” a economia a se comportar de modo pouco produtivo, além de impactar negativamente pela renúncia fiscal, que afeta a capacidade de crescimento macroeconômico a longo prazo.

Cotas, como subsídios, precisam ter prazo de validade, pena de, a pretexto de incentivarem um segmento incipiente, também criarem desigualdades ou desarranjos no setor, a longo prazo. Igualdade de oportunidades, com qualificação, mas sempre em consonância com as regras da livre competição.

[1] Regulamentação da nova governança da CCEE vai à consulta pública – CanalEnergia

[2] A CCEE é uma sociedade civil, de direito privado, sem fins lucrativos, criada em 2004: Governança – CCEE

[3] Lei nº 9.427/1996, disponível em: L9427consol (planalto.gov.br)

[4] “O poder normativo das agências está restrito à expedição de normas administrativas vinculadas à legislação setorial […] Relativamente ao mérito, as decisões das agências reguladoras deveriam ser insindicáveis, desde que devidamente motivadas, nos termos da Lei do Processo Administrativo, Lei nº 9.784/1999 […]” (Giacobbo, Daniela. A ação regulatória estatal, via Aneel, e o incentivo à transição e à segurança energéticain Segurança e Transição Energética, Tomo II; Rio De Janeiro: Synergia, 2023, pp. 7-8

[5] A presença da mulher no setor de energia • Abrapch

[6] AES Brasil e SENAI formam primeiras mulheres especialistas no RN em manutenção e operação de eólicas | AES Brasil

[7] Bahia tem primeiro parque eólico 100% operado por mulheres (correio24horas.com.br)

[8] Movimentos como “Sim, Elas Existem”, “Mulheres de Energia”, “Rede Brasileira de Mulheres na Energia Solar”, “Mulheres do Biogás”, “Women In Energy (WIN) Brazil”, “Women and Power: Leadership in a New World”, entre outros

 

[9] A presença da mulher no setor de energia • Abrapch

[10] L10438 (planalto.gov.br)

[11] L14120 (planalto.gov.br)

[12] L14300 (planalto.gov.br)

[13] https://institutomillenium.org.br/wp-content/uploads/2023/05/millenium-paper-a-necessaria-avaliacao-de-impacto-das-politicas-publicas.pdf

  • Advogada e consultora jurídica especializada em Direito Ambiental e
    Regulatório; experiência de 30 anos em Direito Ambiental (TRF4 e Ibama)
  • Mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio
  • Membro da Comissão Especial de Energia, Infraestrutura e Saneamento – CEEIS
    da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB Secção RS e da Comissão de Energia e
    Transição Energética do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, Sindicato das
    Energias Renováveis – Sindienergia RS, da Associação Brasileira de Direito de
    Energia e Meio Ambiente – Abdem, da Associação Brasileira de Eólicas
    Marítimas – Abemar e do Instituto de Direito Ambiental – Idam
  • Membro Conselho Editorial da Editora Synergia

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